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sábado, 25 de fevereiro de 2012

BOLETIM DO MUSEU HISTÓRICO DE JATAÍ


Uma das coisas que me esqueci de divulgar e que foi interessante para mim foi a publicação, pelo Museu Histórico de Jataí - minha cidade natal, de um resumo de um livro que esbocei ,a muitos anos atrás, para minha avó e que, até hoje, não concluí...Quem sabe não é uma boa oportunidade para fazê-lo?

 Foi mais ou menos por esta época que escrevi o livro de memórias de minha avó materna Maria Cândida, já então com 80 anos...Aqui estamos juntas com minha Tia Dina, no quintal de sua casa...
Vovó com meus pais e irmãos...em seu aniversário de 80 anos.

A capa da publicação 






DAS MEMÓRIAS DE  MARIA CÂNDIDA DE LIMA

                                              
Quando criança, eu adorava adormecer ouvindo as belas histórias contadas por meus avós ou por meus pais. Algumas ficção e outras passagens de suas próprias vidas e, muitas vezes, estas se confundiam, de forma que ficção e realidade estão embaralhadas em minha memória....
E foi assim que surgiu esta idéia de registrar os depoimentos de minha avó materna Maria Cândida de Lima ou, para mim, simplesmente, vovó Mariinha. Ela, animada pela idéia de registrar para a posteridade uma história de vida rica e plena, de onde, apesar de todas as dificuldades, tirara muita felicidade e realização.

 
A seguir, um resumo do conteúdo deste livro, que é só do conhecimento da família uma vez que não foi publicado, narrado pela vovó Mariinha...
 “Minha vida é um romance e lamento não ter escrito um livro a mais tempo, quando minha memória era melhor e estavam vivos ainda irmãos e amigos com quem trocar impressões. Hoje aos 87 anos de idade bem vividos, junto a meus filhos, netos, bisnetos e tataraneto as lembranças já se misturam com a realidade e muitas vezes me perco, sem saber se o fato acabou de acontecer ou se foi a tanto tempo atrás. Não foram sempre momentos felizes mas, com certeza estes foram os mais importantes e significativos. Posso ver agora, tudo que vivi quando olho para trás e faço este balanço de minha vida.
Lamento muito que fotos, registros, documentos e quinquilharias de minha mocidade tenham se perdido durante as diversas mudanças que fiz e, principalmente, durante a viagem da Serra do Café (Serranópolis) para Jataí, onde tudo que se podia levar deveria caber num carro de boi ...”
“Nasci em Santa Rita do Araguaia, Mato Grosso e, com dois anos de idade, mudei-me, juntamente com meus pais e irmãos, para a Serra do Café, pequena vila, com poucas casas,  no alto do chapadão do Estado de Goiás.
Na época de minha meninice, tanto a Serra quanto Jataí eram apenas um amontoado de casas, a maioria de pau a pique e poucas de adobe. A cadeia, a igreja, o grupo escolar ...as casas maiores ao redor do largo principal...
A maioria das pessoas morava em fazendas, normalmente distantes da cidade, de acesso difícil e precário, onde quase sempre cultivavam café ou criavam gado.
As notícias e histórias eram transmitidas de boca em boca, de geração para geração – como faço agora. As pessoas se reuniam a conversar nos quintais, nas portas das casas ou nas vendas. Todos ansiosos por notícias de parentes e amigos. Era comum reencontrar as amigas depois de alguns anos, rodeadas de filhos. Estes, nenhum conhecido ainda!
Minha vida de criança foi muito breve. Não me preocupava com o futuro, se seria feliz ou com o que o destino me reservava. Minha ilusão era de que iria dançar bastante, pois meu marido era marcador de quadrilhas! Mas muito cedo descobri que o que me aguardava eram muitos filhos e trabalho ... uma vida dura!
Certa vez, sentada nos degraus de entrada da casa da fazenda Buriti, onde vivia, vi chegarem uns rapazes a cavalo, fazendo a maior algazarra, falando e rindo muito, os violões amarrados na garupa, a caminho de uma festa que haveria nas redondezas. Observando-os, pensei: “Que eu tenha a sorte grande de algum dia me casar com um deles!”. Mal sabia que mais tarde um deles viria a se tornar meu marido, realizando dessa forma aquele bobo pedido de criança!
  Tenho ainda a lembrança de outro fato curioso nos meus onze anos, que mostra os costumes da época aqui no interior de Goiás. Foi num baile de casamento, eu era então uma criança curiosa e risonha, que ficava pelos cantos observando os casais dançarem e, nesse dia, um rapaz se atreveu a convidar-me para dançar  e se admirou como eu o fazia bem! Quando a música terminou e todos se afastavam para um descanso ele foi até meu pai e me pediu em casamento, prometendo “acabar” de criar-me.  Meu pai obviamente recusou...Para todas nós acabou a festa. Meu pai chamou minhas irmãs e nos levou embora, deixando-as chateadas pois, mais velhas, era uma boa oportunidade de encontrarem um marido. Deste rapaz jamais soube sequer o nome. Empurro esta memória para o fundo para não pensar qual teria sido meu destino se naquele dia meu pai tivesse concordado!
Quando me casei, 4 anos depois desse fato, eu já sabia cozinhar, costurar e cuidar perfeitamente de uma casa e também de animais domésticos. Além de conhecer todos estes ofícios a mulher devia ainda saber preparar, colorir e tecer o algodão e a lã, preparar todo o sabão a ser consumido, azeite e banha, preparar a carne e doces e várias outras coisas que hoje obtemos com facilidade nos supermercados, perdendo-se a noção de quanto trabalho e tempo levam-se para fazê-los.
Não me preocupava com filhos. Não havia como evitá-los! Era praticamente um por ano...
Sempre fomos pobres, levando uma vida difícil e sacrificada. Entretanto, rodeados de amigos e parentes queridos, que eram nossa alegria e riqueza. A casa estava sempre cheia, principalmente de moças pensionistas que vinham das fazendas ao redor.
Mas outro fato marcante de minha vida que sempre fascinou filhos e netos foi o encontro com Os Revoltosos...O ano? Não sei...faz tanto tempo!!...A época, não compreendia sua extensão histórica e não sabia o quanto deste fato mudaria minha vida para sempre.
Já estava casada há vários anos, era já uma experiente costureira e parteira, afinal, já tinha nove de meus quatorze filhos. Morávamos numa fazenda na Serra do Cafezal quando, certo dia, já de tarde, eu estava banhando as crianças e começando a preparar o jantar quando ao longe vejo uma alta coluna de poeira, lá em baixo na entrada da chapada, aproximar-se uma tropa numerosa, com muitos homens, gado e cavalos.  De longe dava para ouvir o tropel dos cavalos.
Eu não tinha conhecimento do que estava acontecendo no cenário político do país. Afinal, estávamos isolados, a milhares de quilômetros da Capital Federal, no Rio de Janeiro e não havia nenhuma cidade ainda por aquelas paragens. As cidades mais próximas onde meu marido negociava os produtos da fazenda eram a Serra e Jataí e, de vez em quando ele juntava-se com outros companheiros e iam para as cidades de Minas Gerais. Eu só sabia que havia uma  revolta muito longe da Serra!
Quando chegaram e apearam de suas esgotadas montarias pude observar que aqueles homens trajavam um uniforme cáqui, onde destacava-se um imenso lenço vermelho que se agitava ao vento quando galopavam...
Saí para recebê-los, ainda sem entender bem o que queriam e o que significava toda aquela agitação...Um capitão educado aproximou-se e solicitou informações sobre o proprietário da fazenda. Soube que já conheciam a fama de meu sogro, o Major João Joaquim de Lima Franco. Para minha surpresa e susto estes estranhos homens possuíam um detalhado relatório no qual constavam as simpatias políticas e a natureza de cada um dos fazendeiros da região. Pelas suas conversas pude entender que seu destino era o Mato Grosso e que aqui pararam para descansar e reabastecerem-se de víveres e animais de carga.
Após um rápido descanso, retomaram a viagem pelo caminho poeirento.
A força maior dos revoltosos alojou-se na fazenda de tio Candinho, um pouco mais à frente da nossa propriedade. Esta força era composta por soldados, mulheres, famílias e animais domésticos. A força avançada seguia na frente para verificar as condições da região e para abastecer a força maior. Dessa forma, era esta força que ficava deslocando-se entre as diversas fazendas.
Estes estranhos soldados que nós chamávamos de revoltosos percorreram todas as fazendas da região. Se eram bem recebidos pelos moradores, eles os tratavam com delicadeza, solicitavam pouso, alimentos e cavalos. Mas, se eram tratados com grosseria, invadiam a propriedade com fuzis nas mãos e levavam o que necessitavam à força. 
A força de retaguarda, que chegou um dia após a força principal passar por nossa fazenda, acampou em barracas que armaram no terreiro de secar café. Somente um coronel, pela sua autoridade, ficou hospedado em nossa casa. Muito cansado e calado não apresentava nenhuma ameaça e como nada devíamos, nada temíamos.
Os revoltosos avaliavam e escolhiam criteriosamente os locais para acampamento. Tudo era muito bem analisado. Exigiam bom tratamento e requisitavam apenas cavalos e comida. Não incomodavam ninguém e iam logo informando:

Não se assustem pois não somos desordeiros. Não queremos fazer mal a ninguém daqui. Somente reagiremos se nos tratarem mal!

A força avançada travou na região apenas uma pequena escaramuça, lá na fazenda do Joaquim Cândido com a tropa legalista, isto é, soldados do governo que os perseguiam desde São Paulo. Estes soldados eram comandados pelo Tenente Gaspar. Ficamos sabendo desta luta quando um dos revoltosos, retornando para a retaguarda, disse-nos:

-Tivemos um combate na fazenda Peroba e acertamos o Tenente Gaspar desta vez !
Dessa luta ficou-nos de lembrança um fuzil dos legalistas que este soldado revoltoso deixou com o Orozimbo, meu marido.”

                         “Hoje, passado tanto tempo, me surpreendo com tudo que vivi, com as dificuldades que venci. Houve época em que cheguei a pensar que não conseguiríamos educar os filhos da forma como educamos. Eram tempos diferentes aqueles e, de uma forma ou de outra, conseguimos vencer, sempre com muito trabalho de todos.
                          Ainda me preocupo com meus filhos e estendo esta preocupação aos netos e bisnetos, meus irmãos e sobrinhos. Minha família é muito grande, já perdi a conta de quantos somos! Ainda estou me preparando para os filhos dos bisnetos!!
                         Já se passaram 85 anos de minha vida e já vi e vivi coisas boas e ruins. Tenho lembranças que me são muito caras e nenhum segredo que me impeça de viver com a consciência tranqüila.”

E esta foi a história contada, em sua simplicidade, por vovó Mariinha . Se, pelo avançado de sua  idade, alguns fatos não estão precisos, ainda assim, é fiel às suas lembranças.
como ela me dizia: “quando chegar ao final de minha vida possa olhar para trás e de nada me arrepender”. Pois eu teria me arrependido se não houvesse escrito estas suas memórias.


 
Texto de Zenilce Lima Costa Seabra (Zizi Seabra)
Uma das netas de Mariinha, casada, formada em Adm de Empresas pela PUC MG,atualmente reside em Natal-RN..

Meus agradecimentos à prima Suely Lima, que aceitou o convite em meu nome e fez toda a revisão. BRIGADUUUUUU!!!..

 Já havia até me esquecido de que pretendia saber escrever...!

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